ANGELA DAVIS


Pergunta: Hoje em dia as pessoas sentem que estão continuamente sob a ameaça de um crime possível, uma sensação que parece ser instigada pela mídia. Essa sensação de pânico é fabricada ou existe alguma verdade nela?

Angela Davis: Os pânicos morais sempre irromperam em conjunturas especiais. Podemos pensar no pânico moral em relação aos estupradores negros, particularmente logo depois da escravidão. O mito do estuprador negro foi o componente chave de uma estratégia ideológica esboçada para reformular os problemas relativos ao gerenciamento de negros recém libertos no período posterior à escravidão. Dessa forma, o pânico moral que rodeia o crime não está relacionado a uma escalada do crime em nenhum sentido material, mas sim a um problema de gerir grandes populações - especialmente pessoas não-brancas - que se tornam dispensáveis pelo sistema do capitalismo global. Esta analogia pode ser superficial, mas acho que funciona.


Pergunta: Nessa complexa rede de relações entre criminalizar as populações, condenações e aprisionamentos, você faz uma sugestão que é brilhante, a meu ver, e muito provocativa. Você diz que a criminalização dos jovens pela pretensa "guerra contra as drogas" ocorreu simultaneamente a uma explosão das drogas psicotrópicas prescritas pelos médicos. Porém existe uma diferença entre crack e prozac, não é?

Angela Davis: Sim. Um fornece lucros estrondosos aos laboratórios farmacêuticos e o outro não - embora as drogas de rua forneçam lucros estrondosos para as economias do submundo da droga. Enquanto hesito discorrer sobre as semelhanças e dessemelhanças, eu diria que há uma enorme contradição entre o discurso da chamada "guerra contra as drogas" e o discurso corporativo no qual drogas psicotrópicas legalizadas, disponíveis por meio de receita médica àqueles que tem dinheiro ou seguro-saúde, são promovidas pelos farmacêuticos como indutores químicos ao relaxamento, à felicidade, à produtividade, etc.  

Extraído de "A democracia da abolição - Para além do
 império, das prisões e da tortura", Difel, 2009.